segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Meu desamor pelo amor

Ora no afago, ora no escarro,
a regra que dá ao amor seu alto preço
é seu teor caótico de recomeço;
sempre saboreado como o mais longo cigarro.

Pagamos tudo com sangue e pranto,
que se desmancham em frouxos sorrisos,
pelas sutis piscadelas e acenos imprecisos,
Quando de um novo amor ouvimos o teimoso canto.

Ah, se pudesse minha voz se sobrepor ao som,
diria: "calado!, não vês que estou já satisfeito?"
Sei que ele rir-se-ia de mim e diria, estufando o peito:
"A impaciência é dos mortais o maior dom".

E repousaria em meu silêncio, ciente de toda minha boçalidade;
não obstante meu desespero, seguiria com a cantoria,
rindo-se da minha inútil indagação perante sua consumada soberania;
Contagiar-me-ia com seu riso eufórico, novamente, por pura crueldade.

E eu, outra qualquer a sorrir em sua presença;
escrevendo mais um poema-clichê sobre seus encantos,
Dentre estúpidos risos perceberia, entretanto,
o choro contido ao notar que em mim só há dele a ausência...

Ao amor. 26-10-2012

Soneto cíclico

Oh! que Ventura essa dos desventurados;
vós, conterrâneos que neste mundo vagueiam!
A esperar do fado acenos que vos enviam
os vilarejos de cólera carregados.

Das esquinas d'uma dor sem nome, sem rumo,
destemida no escuro, u'a estrada sem vida,
com manchas de sangue, dos escarros, ferida
feita em vossos pulmões com tragadas de fumo.


Arqueja o peito, tão cansado e doentio;
um servo quase exânime do corpo esguio
a tentar aspirar vida depois de inumo!

Exausto, junta-se ao húmus, morrendo enfim;
e lá, em vez de alma, sai todo um jardim
de jasmins, girassóis e outras vidas sem rumo…

05-08-2012

Dolores

Em meu cenho de moça triste, desgraçada
há notável ausência de jovialidade,
que torna meu corpo mortalha da verdade:
Uma alma doente, trágica e surrada!

E se vós esperais que em mim brote um sorriso
iluminado no apogeu da mocidade
e pela velha e sacramental virgindade,
saibais que tudo vendi quando foi preciso.

E restou-me apenas essa sinceridade
tão herética… A tanger à vulgaridade,
diluindo em versos vãos a imane coragem.

Mas se esvaindo no fervor da inquisição,
junto às lágrimas, que já imploram perdão:
"Livrai a criança que trago na bagagem!"

28-09-2012

Um outro adeus

Disseram-me que o poeta é um fingidor...
Eu não sou poeta, sou a própria faceta!
Faço rimas com a minha dor
e, longe de mim, deixo-as numa gaveta.

P'ra talvez um dia as dedicar a alguém;
um ser que ainda não encontrei… Nem encontrarei.
E só por ter certeza que ele de mim se abstém
é que eu por ele, loucamente, já me apaixonei.

E até então isso tem me servido como pretexto
pra continuar no ócio destas palavras decompor;
e nesses versos miseráveis talvez morrer em contexto,
na intentona de fazer da minha desgraça algum esplendor.

Pela fome das minhas rimas tristes e pobres eu vou falecer
e ser esquecida como uma estrofe só e perdida...
Ou velada lindamente como um narcisista soneto suicida...
Só sei que já não me importa ser, portanto vou escrever.

Mas agora é tarde e a própria inspiração me some.
E já que faço versos como quem morre,
vou indo… E dou um adeus nessa poesia em meu nome;
Para que, em palavras, todo o meu sangue jorre!

Pois dessa morte, ao menos, ninguém me socorre.

Sobras de um adultério

Minhas emoções agora gritam euforicamente,
tão alto que temo pelo transtorno causado à minha razão,
pois com tal ruído até as paredes da minha sanidade tremer-se-ão.
E temo que não haja, em mim, escolta protetora a isso suficiente.

Por deus! Que eu consiga afogar todas as mágoas a tempo
no mar tempetuoso e denso da minha hipocrisia.
Que eu seja rápida e ágil ao sufocar também aquela sórdida alegria
no ermo infrutífero e moralmente paradisíaco do meu desalento.

Que eu seja também julgada correta;
e que meus desejos e medos permaneçam calados.
Depois do golpe baixo que lhes dei, coitados!
Está morta qualquer coisa que os sentires me afeta.

Perfeição, auto-satifação... Eu seria a mulher perfeita.
Se neste momento não tivesse meu batom borrado pelo pecado;
meu vestido pela vingança todo manchado
e meu homem morto pelo movimento odioso da minha mão direita.

Em prol dos valores que me foram passados
tive meu nome e vida jogados plenamente ao ar.
E vejo minha silhueta ainda jovem de joelhos num altar;
dessa vez sem o "aceito" e os sorrisos pela mentira amarelados.

Apenas uma súplica por sentido, por vida ou motivo,
p'ra seguir sem aquele ao qual dediquei meu amor, alma e virgindade;
o qual matei em nome de nossa prole e sobrenome sem piedade,
pois sem ele sou apenas o vazio do meu instinto possessivo...

19-12-2012

Dois corpos

Não fomos dois corpos. Fomos, eu e tu, a sinestesia
da junção de fluidos e sentimentos nebulosos,
pelas palavras que em versos eu comporia
se tivesses ficado… Se fôssemos conosco mais zelosos.

Tua essência já te materializava, de verdade!
Sabes, nós fomos dois corpos quase concretos;
individuais e coletivos em nosso círculo de necessidade.
Vazios e inertes, mas quando juntos tão completos...

Íamos além daquela humanidade que nos cansava;
eu era nós e tu eras o meu todo mais intrínseco e aparente...
Éramos o paradoxo mais patético para a multidão que nos rodeava
e, ainda assim, nossa união nos era um universo independente.

Ah, se a felicidade não for um mito, tu foste a minha;
perdoe-me pelas vezes que tentei expulsar-te de mim,
e por aqueles que coloquei em teu lugar naquela ladainha
De que só me fazias mal, pois bem sabes que não foi assim.

Quando me deixaste a cólera invadiu-me em seguida,
ainda hoje falta em mim a tua presença diária;
e toda essa utopia só faz sentido com o teu nome que a consolida,
é tu, solidão, de quem escrevo, às lágrimas, como ordinária!

25-01-2013